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o que é a
aja?
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Autobiografia de
Texto da
autoria de
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Em
1930 os pais foram para Angola, onde o pai tinha sido colocado como
delegado do Procurador da República em Silva Porto. José Afonso
permanece em Aveiro, na casa da Fonte das Cinco Bicas, por razões
de saúde, confiado à tia Gegé e ao tio Xico, um «republicano
anticlerical e anti-sidonista». Em 1936 regressa a Aveiro, para casa de umas tias pelo lado materno. Parte em 1937 para Moçambique ao encontro dos pais, com quem vive juntamente com os irmãos João e Mariazinha. Regressa a Portugal, em 1938, desta vez para casa do tio Filomeno, presidente da Câmara Municipal de Belmonte. Aqui conclui a quarta classe. O tio, salazarista convicto, fá-lo envergar a farda da Mocidade Portuguesa. Vai para Coimbra em 1940 para prosseguir os estudos. É matriculado no Liceu D. João III e instala-se em casa da tia Avrilete. No liceu conhece António Portugal e Luiz Goes. A família parte de Moçambique para Timor, onde o pai vai exercer as funções de juiz. Mariazinha vai com eles, enquanto seu irmão João vem para Portugal. Com a ocupação de Timor pelos Japoneses, José Afonso fica sem notícias dos pais durante três anos, até ao final da II Guerra Mundial, em 1945. Nesse mesmo ano começa a cantar serenatas como «bicho», designação da praxe de Coimbra para os estudantes liceais (José Afonso andava no 5.º ano do liceu). Era conhecido como «bicho-cantor», o que lhe permitia não ser «rapado» pelas «trupes». Vida de boémia e fados tradicionais de Coimbra. De 1946 a 1948 completa o curso dos liceus, após dois chumbos. Conhece Maria Amália de Oliveira, uma costureira de origem humilde, com quem vem a casar em segredo, por oposição dos pais. Faz viagens com o Orfeão e com a Tuna Académica. Joga futebol na Associação Académica de Coimbra. Em 1949 inscreve-se no primeiro ano do curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras. Vai a Angola e Moçambique integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra. Em Janeiro de 1953 nasce-lhe o primeiro filho, José Manuel. Dá explicações e faz revisão no Diário de Coimbra. São editados os seus primeiros discos. Trata-se de dois discos de 78 rotações com fados de Coimbra, editados pela Alvorada, dos quais não existem hoje exemplares. Os dois discos foram gravados no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional. De 1953 a 1955 cumpre, em Mafra, serviço militar obrigatório. Foi mobilizado para Macau, mas livrou-se por motivos de saúde. Depois é colocado num quartel em Coimbra. Tem grandes dificuldades económicas para sustentar a família, como refere em carta enviada aos pais em Moçambique. A crise conjugal é muito sentida. Após o serviço militar, já com dois filhos, José Manuel e Helena (nascida em 1954), conclui em 1963 o curso na Faculdade de Letras de Coimbra com 11 valores com uma tese sobre Jean-Paul Sartre: «Implicações substancialistas na filosofia sartriana». Vai dar aulas num colégio privado em Mangualde em 1955/56. Inicia-se o processo de separação e posterior divórcio de Amália (1 de Junho de 1963). José Afonso manterá uma névoa de silêncio em redor desta sua experiência conjugal. Em 1956 é editado o seu primeiro EP, intitulado Fados de Coimbra. Em 1956/57 é professor em Aljustrel e em Lagos. Por dificuldades económicas, em 1958 envia os dois filhos para Moçambique, para junto dos avós. Neste ano fica impressionado com a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Digressão de um mês em Angola da Tuna Académica. José Afonso é o vocalista do Conjunto Ligeiro. «Actuámos vestidos com umas largas blusas de cetim, cada uma de sua cor, imitando a orquestra de "mambos" de Perez Prado, o máximo da altura», conta José Niza. Em 1959 começa a frequentar colectividades e a cantar regularmente em meios populares. Em 1960 é editado o quarto disco de José Afonso. Trata-se de um EP para a Rapsódia, intitulado Balada do Outono. De 1961 a 1962 segue atentamente a crise estudantil deste último ano. Convive em Faro com Luiza Neto Jorge, António Barahona, António Ramos Rosa e Pité e namora com Zélia, natural da Fuzeta, que será a sua segunda mulher. Em 1962 é editado o álbum Coimbra Orfeon of Portugal, pela Monitor, dos Estados Unidos, com «Minha Mãe» e «Balada Aleixo», onde José Afonso rompe definitivamente com o acompanhamento das guitarras. Nestas duas baladas é acompanhado exclusivamente à viola por José Niza e Durval Moreirinhas. Realiza digressões pela Suíça, Alemanha e Suécia, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta Esmeralda Amoedo. Em 1963 é editado outro EP de Baladas de Coimbra. Em Maio de 1964, José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção «Grândola, Vila Morena», que viria a ser no dia 25 de Abril de 1974 a senha do Movimento das Forças Armadas (MFA) para o derrube do regime ditatorial. Nesse mesmo ano é editado o EP Cantares de José Afonso, o único para a Valentim de Carvalho. Também em 1964 é editado, pela Ofir, o álbum Baladas e Canções, que virá a ser reeditado em CD pela EMI em 1997. De 1964 a 1967, José Afonso encontra-se em Lourenço Marques com Zélia, onde reencontra os seus dois filho. Nos últimos dois anos, dá aulas na Beira. Aqui musicou Brecht na peça A Excepção e a Regra. Em Moçambique nasce a sua filha Joana (1965). Em 1967 regressa a Lisboa esgotado pelo sistema colonial. Deixa o filho mais velho, José Manuel, confiado aos avós em Moçambique. Colocado como professor em Setúbal, sofre uma grave crise de saúde que o leva a ser internado durante 20 dias na Casa de Saúde de Belas. Quando sai da clínica, tinha sido expulso do ensino oficial. É publicado o livro Cantares de José Afonso, pela Nova Realidade. O PCP convida-o a aderir ao partido, mas José Afonso recusa invocando a sua condição de classe. Assina contrato discográfico com a Orfeu, para quem grava mais de 70 por cento da sua obra. Expulso do ensino, em 1968 dedica-se a dar explicações e a cantar com mais assiduidade nas colectividades da Margem Sul, onde é nítida a influência do PCP. Pelo Natal, edita o álbum Cantares do Andarilho, com Rui Pato, primeiro disco para a Orfeu. O contrato é sui generis: contra o pagamento de uma mensalidade (15 contos), José Afonso é obrigado a gravar um álbum por ano. Em 1969 a Primavera marcelista abre perspectivas de organização ao movimento sindical. José Afonso participa activamente neste movimento, assim como nas acções dos estudantes em Coimbra. Edita o álbum Contos Velhos Rumos Novos e o single «Menina, dos Olhos Tristes» que contém a canção popular «Canta Camarada». Recebe o prémio da Casa da Imprensa para o melhor disco, distinção que repete em 1970 e 1971. Pela primeira vez num disco de José Afonso, aparecem outros instrumentos que não a viola ou a guitarra. Trata-se do último álbum com Rui Pato. Nasce o último filho, o quarto, Pedro. Em 1970 é editado o álbum Traz Outro Amigo Também, gravado em Londres, nos estúdios da Pye, o primeiro sem Rui Pato, impedido pela PIDE de viajar. Carlos Correia (Bóris), antigo músico de rock, dos Álamos e do Conjunto Universitário Hi-Fi, substitui Pato. A 21 de Março, por unanimidade, a Casa de Imprensa atribui a José Afonso o Prémio de Honra pela «alta qualidade da sua obra artística como autor e intérprete e pela decisiva influência que exerce em todo o movimento de renovação da música ligeira portuguesa». Participa em Cuba num Festival Internacional de Música Popular. Pelo Natal de 1971, é lançado o álbum Cantigas do Maio, gravado perto de Paris, nos estúdios de Herouville, um dos mais caros e afamados da Europa. O álbum é geralmente considerado o melhor disco de José Afonso. A editora Nova Realidade publica o livro Cantar de Novo. No ano de 1972 o álbum chama-se Eu Vou Ser Como a Toupeira, gravado em Madrid, nos Estúdios Cellada, com a participação de Benedicto, um cantor galego amigo de Zeca, e com o apoio dos Aguaviva, de Manolo Diaz. O livro, editado pela Paisagem, tem apenas o título de José Afonso. Em 1973 José Afonso continua a sua «peregrinação», cantando um pouco em todo o lado. Muitas sessões foram proibidas pela PIDE/DGS. Em Abril é preso e fica 20 dias em Caxias até finais de Maio. Na prisão política, escreve o poema «Era Um Redondo Vocábulo». Pelo Natal, publica o álbum Venham Mais Cinco, gravado em Paris, em que José Mário Branco volta a colaborar musicalmente. No tema-título, participa Janine de Waleyne, solista dos Swingle Singers, o melhor grupo vocal de jazz cantado da altura, na opinião de José Niza. A 29 de Março de 1974, o Coliseu, em Lisboa, enche-se para ouvir José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Jorge Letria, Manuel Freire, José Barata Moura, Fernando Tordo e outros, que terminam a sessão com «Grândola, Vila Morena». Militares do MFA estão entre a assistência e escolhem «Grândola» para senha da Revolução. Um mês depois dá-se o 25 de Abril. No dia do espectáculo, a censura avisara a Casa de Imprensa, organizadora do evento, de que eram proibidas as representações de «Venham Mais Cinco», «Menina dos Olhos Tristes», «A Morte Saiu à Rua» e «Gastão Era Perfeito». Curiosamente, a «Grândola» era autorizada. É editado o álbum Coro dos Tribunais, gravado em Londres, novamente na Pye, com arranjos e direcção musical, pela primeira vez, de Fausto. São incluídas as canções brechtianas compostas em Moçambique no período entre 1964 e 1967, «Coro dos Tribunais» e «Eu Marchava de Dia e de Noite (Canta o Comerciante)». De 1974 a 1975 envolve-se directamento nos movimentos populares. O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) é a sua paixão. Cantou no dia 11 de Março de 1975 no RALIS para os soldados. Estabelece uma colaboração estreita com o movimento revolucionário LUAR, através do seu amigo Camilo Mortágua, dirigente da organização. A LUAR edita o single «Viva o Poder Popular» com «Foi na Cidade do Sado» no lado B. Em Itália, as organizações revolucionárias Lotta Continua, Il Manifesto e Vanguardia Operaria editam o álbum República, gravado em Roma a 30 de Setembro e 1 de Outubro, nos estúdios das Santini Edizioni. As receitas do disco destinavam-se a apoiar a Comissão de Trabalhadores do jornal República ou, caso o jornal fosse extinto, como foi, o Secretariado Provisório das Cooperativas Agrícolas de Alcoentre. Desconhecido em Portugal, o álbum inclui «Para Não Dizer Que Não Falei de Flores» (Geraldo Vandré), «Se os Teus Olhos se Vendessem», «Foi no Sábado Passado», «Canta Camarada», «Eu Hei-de Ir Colher Macela», «O Pão Que Sobra à Riqueza», «Os Vampiros», «Senhora do Almortão», «Letra para Um Hino» e «Ladainha do Arcebispo». Francisco Fanhais colaborou na gravação do disco, juntamente com músicos italianos. Em 1976 apoia a candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho, cérebro do 25 de Abril e ex-comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), apoio que reedita em 1980. Fase cronista de José Afonso, que publica o álbum Com as Minhas Tamanquinhas. O disco tem a surpreendente participação de Quim Barreiros. É, na opinião de José Niza, «um disco de combate e de denúncia, um grito de alma, um murro na mesa, sincero e exaltado, talvez exagerado se ouvido e lido ao fim de 20 anos, isto é, hoje». É a «ressaca» do PREC. O álbum Enquanto Há Força, editado em 1978, de novo com Fausto, representa mais um exemplo da fase cronista do cantor, ligada às suas preocupações anti-colonistas e anti-imperialistas e à sua crítica mordaz à Igreja. Inclui as participações, entre outras, de Guilherme Inês, Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Rão Kyao, Luís Duarte, Adriano Correia de Oliveira e Sérgio Godinho. Em 1979 é editado o álbum Fura Fura, com a colaboração musical de Júlio Pereira e dos Trovante. O disco inclui oito temas de música para teatro, compostos para as peças Zé do Telhado, de A Barraca, e Guerra do Alecrim e Manjerona, da Comuna. Actua em Bruxelas no Festival da Contra-Eurovisão. Em 1981, após dois anos de silêncio, regressa a Coimbra com o seu álbum Fados de Coimbra e Outras Canções. Trata-se da mais bela versão do fado de Coimbra, interpretada por Zeca Afonso em homenagem a seu pai e a Edmundo Bettencourt, a quem o disco é dedicado. Actua em Paris, no Théatre de la Ville. Em 1982 começam a conhecer-se os primeiros sintomas da doença do cantor, uma esclerose lateral amiotrófica. Trata-se, aparentemente, de um vírus instalado na espinal medula que, de uma forma progressiva, destrói o tecido muscular e, normalmente, conduz à morte por asfixia. Actua em Brouges no Festival de Printemps. Em 29 de Janeiro de 1983 realiza-se o espectáculo no Coliseu com José Afonso já em dificuldades. Participam Octávio Sérgio, António Sérgio, Lopes de Almeida, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Fausto, Júlio Pereira, Guilherme Inês, Rui Castro, Rui Júnior, Sérgio Mestre e Janita Salomé. É publicado o duplo álbum Ao Vivo no Coliseu. No Natal desse ano, sai Como Se Fora Seu Filho, um testamento político. Colaboração de Júlio Pereira, Janita Salomé, Fausto e José Mário Branco. Alinhamento: «Papuça», «Utopia», «A Nau de António Faria», «Canção da Paciência», «O País Vai de Carrinho», «Canarinho», «Eu Dizia», «Canção do Medo», «Verdade e Mentira» e «Altos Altentes». Algumas das canções foram escritas para a peça Fernão Mentes? do grupo de teatro A Barraca. Publicado o livro Textos e Canções, com a chancela Assírio e Alvim. Contra a sua vontade, é publicado pelo Foto Sonoro um maxi-single, Zeca em Coimbra, com um espectáculo dado por Zeca no Jardim da Sereia, na Lusa Atenas, a 27 de Maio. A cidade de Coimbra atribui a José Afonso a Medalha de Ouro da cidade. «Obrigado Zeca, volta sempre, a casa é tua», disse-lhe o presidente da Câmara, Mendes Silva. «Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem», respondeu José Afonso. O Presidente da República, general Ramalho Eanes, atribui a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa-se a preencher o formulário. Em 1994, o Presidente da República Mário Soares tentou de novo condecorar, postumamente, José Afonso com a Ordem da Liberdade, mas a mulher, Zélia, recusou, alegando que se José Afonso não desejou a distinção em vida, também não seria após a sua morte que seria condecorado. Em 1983 José Afonso é reintegrado no ensino oficial, tendo sido destacado para dar aulas de História e de Português na Escola Preparatória de Azeitão. Tinha sido expulso em 1968. A doença, agrava-se. Em 1985 é editado o último álbum, Galinhas do Mato. José Afonso já não consegue cantar todos os temas, sendo substituído por Luís Represas («Agora»), Helena Vieira («Tu Gitana», Janita Salomé («Moda do Entrudo», «Tarkovsky» e «Alegria da Criação»), José Mário Branco («Década de Salomé», em dueto com Zeca), Né Ladeiras («Benditos») e Catarina e Marta Salomé («Galinhas do Mato»). Arranjos musicais de Júlio Pereira e Fausto. Outras canções do álbum: «Escandinávia Bar-Fuzeta» e «À Proa». Em 1986 apoia a candidatura presidencial de Maria de Lourdes Pintassilgo, católica progressista. José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica, diagnosticada em 1982. O funeral realizou-se no dia seguinte, com mais de 30 mil pessoas, da Escola Secundária de S. Julião para o cemitério da Senhora da Piedade, em Setúbal, onde a urna foi depositada às 17h30 na sepultura 1606 do quadro 19. O funeral demorou duas horas a percorrer 1300 metros. Envolvida por um pano vermelho sem qualquer símbolo, como pedira, a urna foi transportada, entre outros, por Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Luís Cília, Francisco Fanhais. A Transmédia editou o triplo álbum, o primeiro da história discográfica portuguesa, Agora e Sempre, duas semanas depois da morte do cantor. O triplo disco é constituído pelos álbuns Como Se Fora Seu Filho (1983) e Galinhas do Mato (1985) e por um alinhamento diferente de Ao Vivo no Coliseu (1983). A 18 de Novembro é criada a Associação José Afonso com o objectivo de ajudar a realizar as ideias do compositor e intérprete no campo das Artes.
1926 1928
"Eram
umas tias afáveis, (...). E tenho perfeitamente na cabeça
a imagem de lugares na casa: um pátio nas traseiras. (...).
Tomávamos café de cevada à noite..."
1929
1930
1931
"Não foi talvez, nem a minha infância em Portugal, nem a segunda fase em África; foi a fase intermédia que foi a mais marcante. (...). Foi a minha viagem no barco Mouzinho... Fui entregue (...) a um primo muito conhecido em Luanda que ia de lua de mel, (...) e que praticamente desapareceu...! E eu transformei um sujeito que conheci a bordo numa espécie de parente vitalício que foi um sacerdote a que eu chamava... o homem das barbas... Missionário de certeza! (...). O homem das barbas deve ter substituído integralmente as minhas tias... Esse homem era quase para mim um absoluto...". "(...) a África era uma coisa imensa, uma natureza inacessível que não tinha fim, contactos com fenómenos da natureza extremamente prepotentes como eram as grandes trovoadas, os gafanhotos, florestas, travessias de rios em barcaças, etc., etc. Estive também em Luanda onde creio que iniciei a 1ª classe".
1932 1933 1934 1935 1936
"Aos oito anos regresso a África. Agora é Moçambique, não é Angola. Pouco tempo ali estou mas é de novo o paraíso. Somos eu, o meu irmão e a minha irmã... Também nesse tempo vamos com a família à África do Sul e vemos feras em liberdade... Eu sonhava nunca mais abandonar aquela terra". 1937
"De Moçambique vim para Belmonte onde um tio meu era Presidente da Câmara, comandante da Legião!... Homem valsante; gostava muito de valsar e de dançar o tango (...). Uma terra horrível. Um período fechado. Privado de contactos. Eu não podia sequer dar-me com os meninos da vila. Fiz ali a 4ª classe. (...) o pior ano da minha vida." "Ouço noites seguidas daquele meu quarto as notícias captadas pelo meu tio que era de facto a ameaça germânica - 'Londres comme Cartago sera détruite!' ".
1939
"O liceu é a dois passos... (...). Há lá uma ladeira e ao cimo da ladeira era a casa da tia Avrilete, um segundo andar. O ambiente era muito conservador: mulheres de escapulário ao pescoço. Proibições... Por baixo vivia uma outra família e por baixo ainda era a mercearia do Sr. Santos". "Quando havia trovoada a minha tia dizia o magnificat com voz de sibila, aliás, as três mulheres, (...) diziam todas as três o magnificat em três pontos diferentes da sala, cada uma no seu tom". "(...) tanto ia aos 'Cágados' onde comia ovos à uma da manhã, como passava pelos 'Galifões' ou pelos 'Corsários das Ilhas'. Os 'Cágados' ficavam perto da minha casa, quando vivia no Beco da Carqueja. A parte de trás dava mesmo para o Quebra Costas e para o Gil, (...). Também conheci muita malta da 'Prá-quis-tão' e tive um convívio bastante estreito com os tipos do ´Palácio da Loucura'. De um modo geral convivi com a 'Ai-Ó-Linda' e dava-me muito com o Lobão dos 'Corsários das Ilhas', (...)". "Havia uma sociedade de indivíduos que viviam na Alta ou na Baixa economicamente depauperados: barbeiros, merceeiros, profissões dependentes do estudante. Recordo-me que as criadas viviam num estado de fome permanente nas férias grandes e começavam a comer quando os estudantes regressavam. (...). Lembro-me do estatuto de estudante que era, apesar de tudo, compatível com uma certa compreensão humana da situação dessa gente. Esta visão sentimental do que eram as desigualdades sociais motivou uma certa transformação em mim. A visão poético-estudantil em que eu me considerava um herói de capa e batina, um cavaleiro andante, desapareceu ou foi desaparecendo com o tempo e à medida que fui vivendo numa situação económica extremamente difícil com os meus dois filhos no Beco da Carqueja".
"Na
formatura era um infantilismo pegado. Cachaços uns aos
outros ao mesmo tempo que se dizia 'seu cagão'. Era uma
coisa indescritível. A mim pediram-me para sair da caserna
porque tinha pesadelos e berrava que nem um chibo". "A minha acção como professor era mais de carácter existencial, na medida em que queria pôr os alunos a funcionar como pessoas, incutir-lhes um espírito crítico, fazer com que exercitassem a sua imaginação à margem dos programas oficiais".
"Percorri algumas casas dos bairros limítrofes de Faro (...), os lugares mais baratos (...). Fui parar à casa da D. Maria, situada numa rua um pouco excêntrica e muito próxima do cais onde partem os barcos para a ilha..." "Foi uma fase de euforia extremamente gratificante e das coisas mais felizes da minha vida. Escrevi na altura 'Tenho barcos tenho remos', a propósito de um barco que utilizávamos. Nesse 'Barco do Diabo' fazíamos viagens fantásticas ou fantasmas (...) discutíamos pontos de vista vários. Tínhamos a mania de andar a pé até Olhão, até Quarteira e ainda mais longe."
"(...)
e então fiquei extremamente impressionado com a
colectividade: num local quase sem estruturas nenhumas com
uma biblioteca
"Se
houve alguma coisa em África que me marcou definitivamente foi
a realidade colonial. "Fiquei terrivelmente ligado àquela realidade física que é a África, aquilo tem de facto qualquer coisa de estranho, uma força muito grande que nos seduz". "O meu baptismo político começa em África. Estava a dois passos do oprimido".
1965
"(...)
instalo-me em Setúbal e começo a ser convidado para as
colectividades da Margem Sul e mais tarde para as Associações
Académicas, para aqueles seminários que se faziam no Técnico.
Estudantes de Coimbra, indivíduos com grande maturidade e
conhecimentos políticos visitavam-me aqui no prédio
Estrela e passei a cantar nessas colectividades (...) Fui
convidado pelo Cine Clube do Barreiro (...), aqueceu (...),
a direcção foi presa e eu interrogado. Comecei a ser
chamado à Pide com uma relativa assiduidade, ao posto local
em Setúbal, até que finalmente fui corrido do ensino.
Sabia perfeitamente qual era a minha função e pela
primeira vez comecei a tomar contacto com o que mais tarde
se veio a chamar cantor militante político (...). "Nunca fui um indivíduo com certezas dogmáticas acerca de grupos ou partidos preferenciais. Comecei por me relacionar, sobretudo na Margem Sul, a associações de estudantes fortemente politizadas, por um lado, e a determinadas organizações políticas, como por exemplo os Católicos Progressistas, por outro. Achava que todos aqueles grupos eram necessários para formar um movimento que conduzisse ao derrube do poder. Qual seria depois o partido ou organização que surgiria após o derrube do poder, não sabia." "(...) multiplicaram-se então as minhas idas por vários locais, reuniões com variadíssimos acidentes. Foi o célebre período em que o meu nome não figurava em jornal nenhum, em que embarcava sem saber se ia chegar ao destino, porque podia ser, como fui, interceptado pela Pide." "A última vez que fui preso tinha ido esperar o meu pai ao aeroporto. Vim para casa, dormi mal e no dia seguinte bateram à porta. Estávamos em Abril de 1973. O meu filho Zé Manel foi abrir. O inspector apresentou-lhe o 'crachat' da polícia e ele voltou-se displicentemente para a sala a dizer 'oh pai é a prestimosa'. O tipo entrou, fizeram a vasculhação e levaram-me para Caxias."
1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978
"Curioso
é que nós passamos 40 ou 50 anos de uma vida a fazer
determinadas coisas e um dia mais ou menos de repente, sem
que renunciemos a nada do que fizemos, apercebemo-nos de que
tudo deveria ter sido diferente. "Eu sempre disse que a música é comprometida quando o músico, como cidadão é um homem comprometido. Não é o produto saído desse cantor que define o compromisso mas o conjunto de circunstâncias que o envolve com o momento histórico e político que se vive e as pessoas com quem ele priva e com quem ele canta. "Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é o que fica. Quando as pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os alibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta." " Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for."
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