DHTML Unleashed Author Quiz
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ADEUS Ó SERRA DA LAPA - A
serra da Lapa fica na fronteira entre Trás-os-Montes e a Beira Alta, no Norte de
Portugal. Nos tempos de Salazar, era uma região muito pobre, como ainda hoje o
é. Quem já não suportava a miséria, podia atravessar a fronteira para Espanha,
mas isto era bastante perigoso. Precisava-se de um guia, a que muitos tinham de
pagar tudo o que tinham ("O meu dinheiro contado"), e mesmo assim, ficava o
risco de o guia ser um informante da PIDE.
Devido à pobreza em que se vivia, numa luta contínua pela sobrevivência, a
decisão de ficar tão pouco era evidente. Exprime-se isto na frase "Meus
companheiros de aventura". Se estes acompanhassem ou não o eu-falante, a
diferença seria pequena, a vida continuaria a ser uma aventura. Segundo o
dicionário, a palavra aventura é a combinação da preposição "a" e do substantivo
"ventura", um sinónimo de sorte. Vivia-se, portanto, conforme o que a sorte
trouxesse.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um estudo e
tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de Antuérpia)
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ALTOS CASTELOS - Para ser executada à viola por Rui
Pato, obedecia mais às exigências duma instrumentação de tipo clássico ao
gosto dos tocadores de alaúde do século XVI. Limitei-me depois a reajustar
uma letra, ou melhor, um conjunto de sons que não ultrapassasse na divisão
silábica a divisão musical. A ingenuidade de certas canções de roda e a
gratuidade de alguns poemas surrealistas (lembrei-me duma canção de António
Barahona) indicaram-me o sentido do conjunto apropriado ao canto.
(José Afonso)
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A MULHER DA ERVA - E.
Engelmayer dá a explicação deste texto: trata-se de uma velha mulher do Alentejo
que ganhava a vida com a venda de erva. José Afonso conheceu-a quando ela já
tinha mais de setenta anos. Todos os dias, andava pelas ruas e estradas com uma
cesta de erva cuja venda era o seu sustento e com que se alimentava o gado. Esta
"profissão" desapareceu com a modernização da agricultura. A canção relata o
encontro entre o cantor e a mulher. Na segunda estrofe, ele vê-a a subir a
estrada, vindo na sua direcção. Na terceira, eles trocam algumas palavras e
depois ela prossegue o seu caminho sem ouvir o comentário do cantor. Na primeira
estrofe, a "vela condenada pela onda" simboliza que ela não tem, e nunca teve,
futuro.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um estudo e
tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de Antuérpia)
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AVENIDA DE ANGOLA
- Adaptação dum antigo poema.
(José Afonso)
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BALADA ALEIXO - Homenagem a António Aleixo, poeta
cauteleiro, natural de Loulé.
(José Afonso)
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BALADA DO OUTONO
- Mais propriamente Balada do rio. Dominada ainda pelo velho espírito
coimbrão, é o produto de um estado perpétuo de enamoramento ou como tal
vivido, uma espécie de revivescência tardia da juventude. O trovador
julga-se imprescindível, como um protagonista que a si próprio se interpela
para convocar a presença das águas dos ribeiros e dos rios, testemunhas
vivas do seu solitário cantar. A imagem do "Basófias" (Nome por que é
conhecido o Mondego na gíria coimbrã), que incha e desincha quando lhe
apetece, deve ter influído na gestação da "partitura". Uma certa disposição
fisiológica propensa à melancolia explica o começo das dores sem falar na
albumina anunciadora de futuras e promissoras "partenogéneses".
(José Afonso)
Balada com refrão, em compasso ¾ e
tom de Lá Menor. Esta é a primeira composição verdadeiramente da autoria
de José Afonso. Segundo ele próprio nos diz, passou a designar as suas
primeiras canções por “baladas”, não porque soubesse o significado do
termo, mas para as distinguir do “chamado Fado de Coimbra” que começara
por cantar desde os anos do Liceu D. João III em meados da década de
1940. José Afonso fez a composição, mas faltava-lhe o título. Parece que
terá pensado em designá-la inicialmente por BALADA DO RIO (MONDEGO). Em
troca de ideias com o Dr. António Menano, recentemente regressado de
Moçambique, José Afonso seguiu a sugestão de Balada do Outono (Cf. "O
Comércio do Funchal", 01/06/1970).
A título explicativo, o próprio autor facultou os seguintes dados
relevantes que nos permitem situar esta composição num período
imediatamente anterior à ruptura estética que se intensificou após a
campanha presidencial do General Humberto Delgado: “Mais propriamente
Balada do Rio. Dominada ainda pelo velho espírito coimbrão, é o produto
de um estado perpétuo de enamoramento ou como tal vivido, uma espécie de
revivescência tardia da juventude. O trovador julga-se imprescindível,
como um protagonista que a si próprio se interpela para convocar a
presença das águas dos ribeiros e dos rios, testemunhas vivas do seu
solitário cantar. A imagem do Basófias (nome porque é conhecido o Rio
Mondego, na gíria coimbrã), que incha e desincha quando lhe apetece,
deve ter influído na gestação da partitura. Uma certa disposição
fisiológica propensa à melancolia explica o começo das dores sem falar
na albumina anunciadora de futuras e promissoras partogéneses “ (Cf.
“Cantares de José Afonso”, 2ª edição, Lisboa, AEIST, 1969, pág. 22). Na
obra que acabamos de citar, a letra dos dois versos iniciais é Águas / E
pedras do rio, letra essa que veio a ocorrer numa gravação realizada por
José Mesquita em 1979.
Balada gravada pela primeira vez nos inícios de 1960, por José Afonso,
acompanhado à guitarra por António Portugal/Eduardo de Melo e, à viola,
por Manuel Pepe/Paulo Alão: EP “Balada do Outono”, Rapsódia, EPF 5085 –
EP0089F, de 12 de Março de 1960. O registo de 1960 tem sido profusamente
reeditado: LP “Baladas e Fados de Coimbra. José Afonso”, Porto, Edisco,
EDL 18. 020, ano de 1982, Lado B, Faixa nº 6; CD “Dr. José Afonso. Os
Vampiros”, Porto, Edisco, ECD-001, ano de 1987, faixa nº 12. A referida
remasterização é omissa quanto à matriz original, ano de gravação e
instrumentistas.
Na primeira gravação, o trabalho de
guitarra protagonizado por António Portugal é francamente
desinteressante, limitando-se a curtas intervenções na abertura e no
meio da peça. Quase todo o acompanhamento é suportado pelas violas,
certamente a insistências do próprio autor. Não está clarificado o local
da composição. Tudo indica que terá sido feita após a apresentação da
candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República (8/06/1958) e
a viagem que o autor efectuou com a TAUC a Angola (Agosto/Setembro de
1958). À data da gravação (12/03/1960), efectuada em Coimbra, José
Afonso trabalhava como docente provisório na Escola Técnica de Alcobaça
(de 3/10/1959 a 30/07/1960). O acompanhamento, muito vincado nos solos
das violas de Paulo Alão (nylon) e Manuel Pepe, abre a janela
simbolicamente ao Movimento da Balada, reforçado em meados de 1961 com
as gravações de "Minha Mãe" e "Balada Aleixo".
Jorge Tuna aproveitou parte da melodia de “Balada do Outono” para trecho
de abertura da sua “Rapsódia de Fados”, presente no EP “Coimbra à
Noite”, RAPSÓDIA, EPF 5.179, de 13 de Agosto de 1962, gravado com Jorge
Tuna/Jorge Godinho (gg) e Durval Moreirinhas/José Tito Mackay (vv). Este
“pot pourri” encontra-se disponível no CD “Jorge Tuna. Coimbra”, Porto,
Edisco, ECD 133, ano de 2000, faixa nº 1, sem quaisquer dados
indicativos do ano de gravação ou da matriz fonográfica original.
Em finais dos anos 60 foi editado um LP de “Baladas e Canções”, Porto,
OFIR, MAS 301, ano de 1967, contendo uma versão instrumental de "Balada
do Outono" em viola nylon tocada por Rui Pato, versão essa disponível no
CD “Baladas e Canções. José Afonso acompanhado à viola por Rui Pato”,
Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 7243 8 36617 2 5, ano de 1996, faixa
nº 4. Nos dois casos, as faixas foram retiradas da matriz EP "Baladas e
Canções", Porto, OFIR, MAS 4.016, ano de 1964.
O autor voltou a gravar esta balada em 1981, acompanhado à guitarra por
Octávio Sérgio e, à viola, por Durval Moreirinhas: LP “José Afonso –
Fados de Coimbra”, Orfeu, FPAT 6011. O arranjo para guitarra de
acompanhamento é de Octávio Sérgio, em tudo superior ao de 1960, de tal
arte que passou a ser correntemente tocado por quase todas as formações
activas nas décadas de 1980-1990.
Das gravações de José Afonso são
ainda conhecidas as seguintes remasterizações:
-LP “José Afonso. Fados de Coimbra e outras canções”, Riso e Ritmo
Discos, Lda., RR LP 2188, ano de 1987, Lado B, faixa nº 1, extraído
do registo de 1960;
-CD “Coimbra Serenade”, Edisco, ECD 5, editado em 1992, extraído do
registo de 1960 (remasterização do LP "Coimbra Serenade", RAPSÓDIA,
LDF 006, Lado A, Faixa nº 5, sem data, que se vendia em 1987/1988 a
600$00);
-CD “José Afonso – Fados de Coimbra”, Movieplay, SO 3003, editado em
1996, extraído do registo de 1960;
-CD “Fados e Guitarradas de Coimbra”, Volume I, Lisboa, Movieplay,
MOV. 30.332, 1996, disco nº 1, faixa nº 7, extraído do registo de
1981;
-CD “José Afonso. Fados de Coimbra e outras Canções”, Movieplay, JÁ
8011, ano de 1996, faixa nº 6, com livreto assinado por José Niza,
extraído do registo de 1981;
-Col. “Um Século de Fado”/Ediclube, CD Nº 4/Coimbra, emi 7243 5
20638 2 6, editado em 1999, extraído do registo de 1960.
José Afonso gravou a Balada do Outono uma 3ª vez, durante o concerto
de 1983 no Coliseu de Lisboa, correndo no mercado tiragens
provenientes desse espectáculo realizado no dia 29 de Janeiro de
1983:
-LP duplo “José Afonso ao vivo no Coliseu”, DIAPASÃO, DIAP 16050/1,
ano de 1983, LP 1, Lado A, Faixa nº 5, acompanhado por Octávio
Sérgio/Lopes de Almeida (gg) e António Sérgio/Durval Moreirinhas
(vv). Deste registo se fizeram as seguintes remasterizações:
-CD “Zeca Afonso no Coliseu”, Strauss, ST 1021010035, ano de 1993;
-cassete “Zeca Afonso no Coliseu”, Strauss, ST 1021010036, ano de
1993.
Gravações disponíveis em compact disc de outros cantores:
-CD “Fados e Baladas de Coimbra – Coimbra tem mais encanto”,
Vidisco, 11-80-1304, editado em 1991, a partir das gravações
efectuadas por José Mesquita no LP “Fados e Baladas de Coimbra por
Antigos Estudantes, RODA, SSRL 9001, ano de 1979, Lado A, Faixa nº
3, com acompanhamento da formação António Brojo/Jorge Gomes (gg) e
Manuel Dourado/Aurélio Reis (vv). José Mesquita canta na parte
introdutória o texto original “Águas e pedras do rio, meu sono vazio
não vão acordar.”;
-CD “Fernando Machado Soares”, Philips, 838 108-2, sem data,
compilação dos LP’s de 1986 e 1988, faixa nº 13. Remasterização
efectuada a partir do LP “Serenata”, Polygram Discos, ano de 1988,
faixa nº 3, acompanhado por José Fontes Rocha (g) e Durval
Moreirinhas (v). Vocalização ultra-romântica, servida por um toque
de guitarra banalíssimo;
-CD “Amanhecer em Coimbra – Tertúlia do Fado de Coimbra”, Porto,
Edisco, ECD 15, ano de 1993, faixa nº 6. Canta Victor Nunes,
acompanhado por José dos Santos Paulo/Álvaro Aroso (gg), José Carlos
Teixeira/Eduardo Aroso (vv). O arranjo é da autoria de José S.
Paulo. Vocalização eficaz de Victor Nunes. No livreto de
acompanhamento do disco conta-se uma pequena história sobre a origem
desta peça, relacionando a sua feitura com a viagem de José Afonso a
Angola integrado na digressão do Orfeon, em Agosto de 1960. No
entanto, esta informação não sintoniza com a data da 1ª gravação da
obra, cujo disco foi preparado meses antes, em 12 de Março de 1960;
-CD “Meu Menino, Meu Anjo”, Porto, Fortes & Rangel, DCD 1038, ano de
1998, faixa nº 11. Grupo activo no Porto, com os cantores Nuno
Oliveira e Delfim Lemos. Acompanhamento por Rui Vilas Boas (g) e
Castro Lopes (v). A ficha técnica não identifica o cantor, sendo o
arranjo transladado a partir de Octávio Sérgio (1981);
-duplo CD “José Mesquita. Coimbra das Canções, Trovas e Baladas”,
Coimbra, sem editor, Janeiro de 2000, disco nº 2, faixa nº 2. O
acompanhamento é feito por Carlos Jesus (g), Luís Filipe/Humberto
Matias (vv), traduzindo-se numa presença excessiva do som da
guitarra. No livreto do CD nº 2, embora a letra transcrita inicie
com “Águas e pedras do rio”, José Mesquita canta a mesma letra que
foi gravada por José Afonso. Saliente-se que do ponto de vista da
melodia José Mesquita não canta exactamente a versão do autor (José
Afonso), mas sim uma adaptação do próprio José Mesquita sobre um
arranjo do Maestro José Firmino;
-CD “Quinteto de Coimbra. Guitarra e Canção de Coimbra”, Coimbra,
Edição Quinteto de Coimbra/Casa de Fados, Lda., ano de 2001, faixa
nº 3. A ficha técnica do disco não explicita quem seja o intérprete.
A formação é constituída por Patrick Mendes/António Ataíde (vozes),
Ricardo Dias (g) e Nuno Botelho/Pedro Lopes (vv). Predomina o
trabalho instrumental das violas, salpicado nos separadores pela
guitarra de Ricardo Dias, a seguir inequivocamente o arranjo de
Octávio Sérgio (1981), embora tal se não mencione. O trabalho vocal
é demasiado arrastado, com modulações em estilo soul ou até
jazísticas e evitáveis esmorecimentos nas notas graves;
Não confundir esta composição com outra de Carlos Carranca, com
letra e música diferentes: “Balada de Outono” (Canto os raios do
Sol), letra de Carlos Carranca, música de José Reis, CD “Poesia para
Todos. Carlos Carranca”, Cascais, Edição da Câmara Municipal de
Cascais, sem data (2004), faixa nº 9, datando a referida composição
de 1998.
“Balada do Outono” foi muito cantada a quatro vozes na década de
1990 pelo Coro dos Antigos Orfeonistas do OAC, tendo por base uma
harmonização do Maestro José Firmino sobre o arranjo de Octávio
Sérgio (1981). Esta versão foi gravada pelos Antigos Orfeonistas no
Palácio de São Marcos, dias 30 de Abril e 1 de Maio de 1994, com
regência de Augusto Mesquita e piano de Filipe Teixeira Dias, no CD
“Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra,
Polygram/Philips, 522662-2, de 1994.
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho e
António M. Nunes
Agradecimentos: Sandra Cerqueira (Edisco), SPA, Dr. José Reis
(Pardalitos do Mondego), Dr. Rui Pato, Doutor José Mesquita
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BALADA DO SINO - Resultou duma acompanhamento à viola
para outra canção inacabada. A letra e a melodia retomam o gosto antigo
ainda não de todo extinto das barcarolas infantis que falavam de barcos e
barqueiros. Numa praceta do Alto Maé, à hora da sesta, as crianças
brincavam: Que linda barquinha / Que lá vem, lá vem...
(José Afonso)
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CANÇÃO - Letra de Luís de Camões (modificada).
Música de José Afonso. A leitura cadenciada do início da "Canção IV"
susicitou a presumível adaptação musical requerida pela primeira estrofe,
mas de impossível aplicação que garantissem um mínimo de unidade e
sequência.
(José Afonso)
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CANÇÃO DE EMBALAR
- Lourenço Marques 1965. Toada medievalesca em tom menor. Letra e música
ocorreram quase simultâneamente. A estrela d'alva surge acima do horizonte
para os lados de Xiparnanime com a cumplicidade das restantes. Quando os
adultos dormem e as luzes se apagam nas janelas os meninos levantam-se e vão
cumprimentar as estrelas.
(José Afonso)
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CANÇÃO DO DESTERRO (EMIGRANTES)
- Sugerida em Lourenço Marques, pela leitura dum artigo da Seara Nova sobre
as causas da emigração portuguesa. Tenta-se evocar a odisseia dos forçados
actuais, partindo em modernas naus catrinetas, como os Mendes Pintos de
outras épocas, a caminho dum destino que na História se repete como um dobre
de finados.
(José Afonso)
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CANÇÃO DO MAR - O tema evocado no cenário um tanto
simplista do casino da Figueira da Foz vive de uma valorização puramente sonora
que lhe é dada pelo acompanhamento e pela repetição cadenciada da palavra
mar. A dificuldade consistiu em fazêla passar ao plano abstracto como
elemento omnipresente no espírito do cantor fora do ambiente convencional
para que foi criada.
(José Afonso)
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CANÇÃO LONGE - Foi a primeira balada a ser composta no
edifício dos "Incas", em Coimbra. Estavam presentes, entre outros, o Vítor
Lobão, o Tomé e o Cassiano. O Tomé disse que era semelhante à música de
fundo do filme "Sansão e Dalila". Por isso, nunca a levei muito a sério,
embora me tivesse agradado.
(José Afonso)
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CANÇÃO VAI-E-VEM
-O belo poema de Paulo Armando pareceume, como na realidade foi,
inutilmente sacrificado aos compassos de uma valsa monótona e fria. Para
finalizar exigia-se uma conclusão airosa; o estribilho, meio anedótico, foi
colhido num livro de cancioneiro algarvio pertencente à biblioteca da
Capitania de Faro. O verso Bonecas, primores, da minha lavra, substituiu o
original Bonecos de palha. O resultado, um pouco cabotino, impôs-se pela
necessidade de sujeitar a letra ao primado da música.
(José Afonso)
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CANTAR ALENTEJANO
- A mulher a quem é dedicada esta tentativa de A B C é uma heroína popular
bem conhecida no Alentejo onde há anos se deu o facto a que o autor faz
discreta mas comovida referência. Numa versão primitiva o tenente dirigese
à ceifeira e diz-lhe: Quando eu te furar a pança / Muda a dança / P'ra
vocês. Para além do episódio, Catarina vive na memória dos homens e da
própria terra que a viu nascer e morrer. Os versos foram modificados por
carência de elementos biográficos mas as ceifeiras continuam a pôr flores
na campa de Catarina.
(José Afonso)
"Cantar Alentejano" é
dedicado a Catarina Eufémia, uma lendária comunista que foi morta a tiro
pela PIDE numa vila alentejana, Baleizão, em 1954. Ela lutava pela semana de
trabalho de 40 horas. Ainda hoje, o PCP comemora o dia da sua morte.
Todavia, segundo E.Engelmayer, esta canção não serve para comemorar e
idealizar uma pessoa. A morte de Catarina simboliza o sofrimento dos
agricultores alentejanos. A sua dependência dos latifundiários apresentava
bastantes semelhanças com a escravidão. A revolução só dificilmente pôde
alterar esta situação. Por exemplo, o salário mínimo que foi introduzido
depois do 25 de Abril, não abrangia os trabalhadores rurais. Por isso, estes
organizaram-se por iniciativa própria, sobretudo no Alentejo. Os sindicatos
rurais que nessa altura surgiram, também apoiavam as ocupações espontâneas
de terras incultas. Na segunda fase do período dito de excepção, o governo
começou a legalizá-las. Os proprietários pouco podiam fazer contra as
ocupações, pois foram promulgados decretos que consagraram o princípio de
que as terras deviam ser usadas para produzir tudo o que fosse necessário
para a economia. Entendia-se por "tudo o necessário" tanto o rendimento como
os empregos. (...) isto não era o caso em muitas terras. O abandono das
terras era considerado agora um delito grave, e os trabalhadores rurais
podiam ocupar as terras, alegando que as trabalhariam ao serviço da economia
nacional.
José Afonso tinha uma ligação especial com o Alentejo. Como membro do coro
universitário de Coimbra, Orfeon, passou por lá em excursões, e viveu lá
como professor do ensino secundário. Conheceu assim as péssimas condições em
que vivia a população agrária. (...)os trabalhadores rurais do Alentejo eram
mais progressistas, já antes do 25 de Abril. Este fenómeno é atribuído ao
facto de que a maior parte deles não possuía a terra que trabalhava, como
também às circunstâncias de trabalho (colectivo e em grandes explorações) e
à vida em aldeias de assalariados. Surgira já nos anos da Primeira República
(1910-1926) uma tradição de organização e de luta sindical e política. Isto
explica por que é que o PCP tinha uma muito maior implantação no Sul, onde
persistia uma "fome da terra".José Afonso reconhecia nesta população que tão
duramente lutava pela subsistência, um grande potencial revolucionário e
dedicou várias canções a esta região, como p.ex. "Cantar Alentejano" e "A
mulher da erva". Também a famosa canção "Grândola, viIa morena" trata de uma
vila alentejana.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um estudo e
tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de Antuérpia)
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CANTO JOVEM - Para ser cantado pelos estudantes
universitários que o autor conheceu numa digressão para que foi convidado.
Destina-se a ser interpretado como música coral por duzentos figurantes de
ambos os sexos e de todas as proveniências e condições.
(José Afonso)
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CORO DA PRIMAVERA
- Consultem-se os comentários ao "Canto Jovem" do qual o "Coro da Primavera"
é a introdução coral e orquestral. A composição da letra resistiu a todas as
tentativas de lubrificação. O rufar dos tímbales e dos tambores intervém
gradualmente como simples apoio no início, contagiante e poderoso no final.
(José Afonso)
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CORO DOS CAíDOS - Um antigo poema incompleto serviu de
base à música. O conjunto constituiria como que um complemento dos vampiros
entretidos, após a batalha, na recolha dos mais valiosos despojos.
(José Afonso)
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ELEGIA - O Luís de Andrade toca todas as teclas.
A música e a letra afiguram-se-me excepcionalmente consorciadas. Pertencem
a um tipo de reportório que inclui também as "Pombas". A interpretação
procurou seguir à risca a orientação desejada pelo autor.
(José Afonso)
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GASTÃO ERA PERFEITO -
Contrariamente ao que o nome no título sugere, não se trata aqui de uma
pessoa que realmente existiu. "Gastão" é um tipo , criado para retratar o
"bom cidadão" sob o fascismo. Ele reúne em si todas as qualidades do
oportunista, de quem se adapta ao sistema vigente para obter beneficios
individuais, sem se preocupar com o sofrimento das outras pessoas. Ele não
apoia a Igreja por ser um católico devoto, nem tolera os abusos do seu
patrão por ser um empregado dedicado. Todos os seus actos resultam de
cálculos muito precisos ou, como é o caso com a sua "mãe que era entrevada",
da sua vontade de sair do fastio da vida quotidiana. A ausência total de
qualidades humanas como a solidariedade e a generosidade, e também a sua
disposição doentia, fazem dele uma caricatura. No entanto, o texto contém um
aviso: Gastão nasceu pobre, num bairro da lata em Alverca. Ao ascender a uma
posição mais favorável na vida ("no solestício de Junho") passou a
identificar-se com a classe dominante, dando-se até ares de nobreza
("sobrinho do Fernão Peres de Trava) e fixando residência no Palácio da
Pena, em Sintra, a cidade onde a aristocracia tradicionalmente passava as
férias. Há ainda outros textos em que José Afonso assinala que o inimigo da
emancipação do povo não é um conceito abstracto, mas sim concreto e vivo,
personificado por todos aqueles que se conformam com o sistema (p. ex.
"Tenho um primo convexo"). Mas é Sérgio Godinho que realmente se destaca por
tão vivamente pintar as figuras autoritárias, oportunistas, etc., na
sociedade portuguesa.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um
estudo e tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de
Antuérpia)
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GRÂNDOLA, VILA MORENA
- Pequena homenagem à "Sociedade Musical Fratemidade Operária Grandolense",
onde actuei juntamente com Carlos Paredes.
(José Afonso)
(...)De facto, Otelo Saraiva de Carvalho
escolheu entre três canções de José Afonso: "Grândola", "Traz outro amigo
também" e "Venham mais cinco". As últimas duas fazem um apelo ao ouvinte
para participar na luta. O que levou o estratego do 25 de Abril à escolha de
"Grândola" foi a frase: "O povo é quem mais ordena", um princípio importante
para ser proclamado nos primeiros minutos da revolução 57. Além disso,
estava proibida a radiodifusão das outras duas canções.
Como foi assinalado atrás, esta canção é a mais conhecida deste autor, pelo
que o público continuava a pedi-la, onde quer que José Afonso
actuasse. Às vezes, ele recusava apresentá-la, porque não queria fazer disso
uma espécie de ritual para idealizar o passado. Ou então pedia ao próprio
público que a cantasse, o que condiz com a mensagem e o modo de
representação da canção: José Afonso utilizou a tradição musical
alentejana, onde se canta muitas vezes em coro polifónico. Nesta forma, há
um cantor que canta a primeira estrofe, e o coro canta a segunda. Também o
estilo do texto é conforme à tradição alentejana: duas estrofes sempre se
espelham uma à outra.
Grândola é uma vila no Baixo Alentejo, que serve de exemplo de uma sociedade
onde extiste igualdade, liberdade e fraternidade. Na frase "O povo é quem
mais ordena", José Afonso fala do poder popular que persistiu ao
longo da ditadura, em centros culturais onde não havia directores e as
responsabilidades eram partilhadas. Para o cantor, estas formas de relações
humanas comprovavam que a ideologia da classe dominante não tinha penetrado
no povo. Estes centros remontavam à época anterior ao Salazarismo, quando
desempenhavam um papel importante a nível cultural e de consciencialização.
O regime fascista dissolveu muitos deles ou reduziu as suas actividades ao
desporto outras coisas "inofensivas". No entanto, alguns houve que
continuaram o seu trabalho clandestinamente, como foi o caso de Grândola,
onde José Afonso actuou algumas vezes.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um
estudo e tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de
Antuérpia)
Em 1964, Grândola, Vila Morena,
fez parte da banda sonora dum pequeno documentário (16 minutos) da autoria
de Manoel de Oliveira rodado numa pequena aldeia de Trás-os-Montes,
situada entre Bragança e Mirandela: Villa Verdinho – Uma Aldeia
Transmontana.
A estreia em
público da «Grândola, vila morena», foi na cidade de Santiago de Compostela.
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LAGO DO BREU - Balada de inspiração Brassens, define
simultaneamente um estado de espírito e uma autobiografia, uma crise de
consciência (destruição do sentimento de remorso) e um meio social (os
prostíbulos do "Terreiro da Erva" ou os seus sucedâneos mais ou menos bem
iluminados).
(José Afonso)
Canção com uma espécie de refrão atípico que resulta da repetição do terceto
final de cada estrofe, em compasso 6/8 e tom de Mi menor, gravada por José
Afonso, acompanhado à viola nylon por Rui Pato: EP Baladas de Coimbra,
Porto, Rapsódia, EPF 5.182, Outubro de 1962, Lado 2, Faixa nº 3. A gravação
decorreu em Coimbra, no antigo Convento de São Jorge, local onde os técnicos
da editora montaram os dispositivos de captação sonora. A melodia é
melancólica, remetendo para um estado de espírito depressivo vivido pelo
autor na data da feitura da obra, conforme nos corroborou Rui Pato.
De acordo com declarações do próprio José Afonso, tratar-se-á de uma canção
inspirada no repertório do cantor e compositor francês Georges Brassens
(1921-1981), cujo título e letra interpelam a moral social vigente e a
prática de frequência das casas de prostituição do Terreiro da Erva em
Coimbra. cf. “Os cantares de José Afonso”, Lisboa, 1ª edição, 1968; idem, 2ª
edição, Lisboa, Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico,
1969, págs. 46-47: “Balada de inspiração Brassens, define simultaneamente um
estado de espírito e uma autobiografia, uma crise de consciência (destruição
do sentimento de remorso) e um meio social (os prostíbulos do “Terreiro da
Erva” ou os seus sucedâneos mais ou menos bem iluminados” (sic). Até à
entrada da década de 1960 era nestas casas que estudantes e jovens mancebos
em dia de inspecção militar faziam a sua iniciação sexual. O local da
feitura da composição foi Faro, cidade onde José Afonso então residia e
trabalhava como professor.
A letra integral é de árdua transcrição, pois nas estrofes o autor oscila
entre a sextilha (1ª, 2ª, 4ª, 5ª, 7ª) e os 11 versos (3ª, repetida na 6ª e
na 8ª). Rui Pato mitiga a influência de Brassens, a qual se teria feito
sentir mais tarde (nesta fase havia mais de Jacques Brel e de Léo Ferré e
ainda não as “brassenzadas” do tipo “Eu tive o Diabo na mão”), recordando
ter-se deslocado propositadamente a Faro para ensaiar com José Afonso
(informes de 12/01/2006). Rui Pato passou um mês de férias no Verão/1962 com
José Afonso em Faro. Foi nas deambulações em improvisada jangada à Ilha do
Farol que José Afonso alicerçou os rudimentos desta canção. José Afonso
começou pela letra e só depois improvisou os rudimentos da melodia. Rui Pato
recorda-se bem dos trauteios nascentes junto ao areal da Ilha do Farol, com
José Afonso tomado de amores pela futura companheira Zélia Maria Agostinho.
As estrofes assimétricas, alternando entre 6 e 11 versos, a longa debitação
da letra, o “refrão” atípico, a obsidiante presença da viola nylon, tudo foi
pensado para erigir o tema em obra de protesto contra o que era convencional
cantar-se e gravar-se em Coimbra. Tendo forma, No Lago do Breu rejeita
abertamente a fórmula estrófica dos temas mais convencionalmente clássicos
da CC. Nada de repetições canónicas, nada mudanças de frase antecipadamente
reconhecíveis, nada de langorosos ais. O autor escuda-se no efeito surpresa
e com ele se torna um intérprete surpreendente. O trabalho de acompanhamento
é relativamente simples, pois José Afonso queria fazer alguns acordes na sua
viola, embora soubesse antecipadamente que não conseguia seguir os dedos de
Rui Pato. Fez-se a gravação com a viola de Rui Pato “meio desafinada” por
forma a que José Afonso pudesse cantar e fazer no braço da sua viola os
singelos acordes que sabia executar.
A referida gravação veio a ser remasterizada no LP Baladas e Fados de
Coimbra, EDISCO, EDL 18.020, ano de 1982, Face B, Faixa nº 3, fonograma
omisso quanto ao ano da gravação, matriz original e instrumentista. Versão
disponível em compact disc: CD OS VAMPIROS, Edisco, 1987, faixa nº 9, com o
título adulterado para “No Largo do Breu” (sic) e inclusão da letra no
respectivo livreto. A letra, na edição em off-set das AAEE, de 1969, de
“Cantares DE JOSÉ AFONSO” e em “JOSÉ AFONSO. Textos e Canções”, e na
publicação Assírio e Alvim, de 1983, não está conforme os discos supra. O
título nos discos é No Lago do Breu e, não, “Lago do Breu” como vem em
Textos e Canções.
Este tema foi gravado também pelo cantor português activo em França Germano
Rocha, em 1964, acompanhado à guitarra por Ernesto de Melo e Jorge Godinho
e, à viola, por José Niza Mendes e Durval Moreirinhas (EP BLY 76153 e LP
XBLY 86112, ambos da editora Barclay). A letra adoptada por Germano Rocha
não corresponde à versão de José Afonso, e o título original aparece
encurtado para “Lago do Breu”.
No site http://alfarrabio.um.geira.pt/zeca/cancoes/16.html, encontra-se uma
transcrição incompleta da letra gravada por José Afonso, com título
encurtado para “Lago do Breu” (cf. também o endereço
http://www.aja.pt/discografia.htm, para as fontes fonográficas do autor
conhecidas até ao ano de 2005, cujo rol está incompleto) e omissão integral
dos refrões. A versão de das edições de 1968 e 1969 encontra-se no “Arquivo
de Música de Língua Portuguesa”, da Universidade do Minho
(http://natura.di.uminho.pt).
Este espécime foi gravado na Capela do Palácio de São Marcos da Reitoria da
UC por Serra Leitão, no tom de Mi Menor, acompanhado pela formação José dos
Santos Paulo/Octávio Sérgio (gg) e Aurélio Reis/Humberto Matias/José Tito
Mackay (vv) no CD “15 anos depois… Antigos Tunos da Universidade de
Coimbra”, Coimbra, ano de 2000, faixa nº 15. Neste registo, com introdução e
arranjo de José dos Santos Paulo, o título sofreu adulteração para LARGO DO
BREU (sic), sendo a identificação dos instrumentistas totalmente omissa.
A solfa desta canção encontra-se impressa na brochura do antigo sócio da
TAUC António Carrilho Rosado Marques, “Cantares de José Afonso.
Acompanhamentos para viola”, Évora, Edição do Autor, 1998, págs. 18-19.
(Texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes |
Agradecimentos: Dr. Octávio Sérgio, Prof. José dos Santos Paulo, Dr. Rui
Pato)
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LES BALADINS - O período lourenço-marquino, canto do
cisne de uma série iniciada na "Companhia Nacional de Navegação" conheceu o
aparecimento de "Les Baladins", eventualmente roubado ao título de um poema
de Appolinaire para figurar no que foi depois um arremedo de "valsa musette"
repenicada e saltitante.
(José Afonso)
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MARIA
- O conhecimento da Zélia, num lugar do
Algarve, reconciliou-me com a água fresca e com os tons maiores. Passei a
fazer canções maiores.
(José Afonso)
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MENINA DOS OLHOS TRISTES -
Canção musical de tipo estrófico, ilustrativa do Movimento da Balada, em
compasso 6/8 e tom de Mi Menor, de melodia muito sentimental, ilustrativa do
choro dos mortos regressados das frentes de combate em Angola, Guiné e
Moçambique durante a Guerra Colonial (1961-1974). A 6ª estrofe ("O
soldadinho já volta") enforma mesmo de alguma morbidez na vocalização de
José Afonso. O coro adquire uma coloração funérea. De acordo com as
declarações prestadas por Rui Pato (17/01/2006), esta composição foi
concebida por José Afonso tendo por motivo nuclear a contestação à Guerra
Colonial iniciada em 1961. Daí o enorme sucesso colhido nas hostes
anti-regime, seja na gravação Adriano de 1964, seja no registo José Afonso
de 1969.
Adriano Correia de Oliveira ouviu a 1ª versão desta canção ao próprio José
Afonso e pediu-lhe autorização para a gravar, tendo seguido nessa gravação
de 1964 orientações facultadas pelo próprio autor.
Ao contário do que fomos inicialmente levados a pensar, a gravação Adriano,
de 1964, não pode ser considerada uma variante feita por Adriano sobre uma
qualquer matriz original. A versão Adriano de 1964 é , para todos os
efeitos, a 1ª versão desta canção, tal qual a concebia o próprio José
Afonso. Quando José Afonso regressou de Moçambique (Agosto de 1967) realizou
uma revisão da versão primitiva, versão essa profusamente interpretada nos
incontáveis espectáculos que realizou com Rui Pato até à respectiva fixação
fonográfica de 1969.
José Afonso gravou esta canção pela primeira vez em 1969, com um notável
arranjo e acompanhamento de Rui Pato na viola nylon: EP "Menina dos Olhos
Tristes", Porto, Orfeu, STAT-803, ano de 1969. Remasterização no CD "José
Afonso. De Capa e Batina", Lisboa, Movieplay JA 8000, ano de 1996, Faixa nº
9. O livreto transcreve o poema, mas não exactamente como José Afonso o
canta. José Afonso segue uma dicção escorreita, apenas adulterando no 2º
verso da 3ª quadra "Olhe" para "Ólhó".
Esta canção surge primeiramente fonografada por Adriano Correia de Oliveira,
acompanhado na viola nylon por Rui Pato, em 1964. Em comparação com a versão
definitiva de 1969, Adriano adopta uma sequência diferente nas estrofes,
interpretando um trauteio diferente do adoptado por José Afonso em 1969. A
3ª copla aparece como se fosse a 2ª. Adriano gravou diversas obras ainda em
gestação embrionária (de José Afonso e de Machado Soares), cujas versões
ultimadas divergem das incursões de Adriano. Exemplificam estas situações
peças como “Canção Vai e Vem” (cf. diferenças com “Balada da Esperança”),
“Senhora Partem Tão tristes” (cf. registo de Fernando Gomes Alves), ou até
mesmo adulterações de obras de autor como a “Canção dos Malmequeres” (de
António Menano), vertida em “Balada do Estudante”. Como é sabido, José
Afonso radicou-se em Moçambique nos finais de Setembro de 1964, e talvez por
isso mesmo não chegou a gravar a canção de sua autoria, abrindo assim a
porta à versão Adriano.
Coteje-se a letra interpretada por Adriano com a transcrição presente em
Mário Correia, "Adriano Correia de Oliveira. Vida e Obra", Coimbra,
Centelha, 1987, pág. 103. Primeiro registo vinil presente no EP "Menina dos
Olhos Tristes", Porto, Orfeu, EP-ATEP 6275, ano de 1964, com arranjo e
acompanhamento de Rui Pato na viola de cordas de nylon. Fez-se outra edição
no LP "Adriano Correia de Oliveira", LP-SB, ano de 1964; remasterização no
duplo Lp vinil "Memória de Adriano Correia de Oliveira", Porto, Orfeu/Riso e
Ritmo Discos, ano de 1982, Disco 1, Face B, faixa 5. Na referida reedição
constam as autorias correctas mas omitem-se o ano da gravação e o
instrumentista. Remasterização compact disc na antologia "Adriano. Obra
Completa", Lisboa, Movieplay/Orfeu 35.003, ano de 1994 (CD "A Noite dos
Poetas", Orfeu 35.010, 1994, faixa 1), cuja coordenação esteva a cargo de
José Niza. Neste caso omite-se a data da primeira gravação, mas
identifica-se Rui Pato como instrumentista e arranjista. São ainda
conhecidas as seguintes remasterizações:
-CD “Clássicos da Renascença. Adriano Correia de Oliveira”, Lisboa,
Movieplay, MOV 31. 028, ano de 2000, faixa nº 13;
-CD “Adriano. Vinte Anos de Canções (1960-1980)”, Lisboa, Movieplay, MOV 30.
441, ano de 2001, faixa nº 6.
Quanto ao autor da letra, Reinaldo Ferreira, ou melhor, Reinaldo Edgar de
Azevedo e Silva Ferreira, nasceu em Barcelona a 20 de Março de 1922. Veio a
falecer de cancro pulmonar em Lourenço Marques, Moçambique, em 30 de Junho
de 1959. Era filho do famoso jornalista e romancista policial "Repórter X".
Radicou-se em Lourenço Marques (Maputo) em 1941, cidade onde terminou os
estudos liceais. Trabalhou como funcionário público e animador de programas
radiofónicos na Rádio Clube de Moçambique. Adoeceu em 1958 e após tentativa
infrutífera de tratamente na África do Sul, faleceu em 1959. Era de sua
autoria o delicioso e muito conservador texto "Uma casa portuguesa", gravado
em disco por Amália Rodrigues.
Autor de poemas belíssimos, a obra de Ferreira, "Poemas", foi editada em
1960 na cidade de Lourenço Marques, em 1962 na Portugália (com prefácio de
José Régio) e em 1998 na Vega. Ignoramos em que data Ferreira compôs a sua
linda e triste “Menina”, sendo de aceitar que tivesse por horizonte a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) mas nunca a Guerra Colonial que não
chegou a conhecer. Também não sabemos quando, nem em que circunstâncias José
Afonso acedeu ao poema. Pode ter conhecido uma versão em manuscrito ou de
página de jornal nas suas idas a Moçambique em 1949 (Orfeon), 1956 (TAUC),
1958 (TAUC a Angola) e 1960 (Orfeon a Angola). O mais certo é que tenha
adquirido a edição lisboeta de 1962, ligada ao nome de José Régio. A Guerra
Colonial tinha rebentado no ano anterior em Luanda (04/02/1961) e estava na
memória a Operação Dulcineia (assalto ao Santa Maria, 21/01/1961).
Esta canção de José Afonso não mereceu qualquer trabalho de regravação após
1974 junto das vozes juvenis e respectivas formações activas em Coimbra.Para
saber mais sobre o poeta Reinaldo Ferreira consulte
http://alfarrabio.di.uminho.pt.reinaldo/.
(José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
|
Agradecimentos: Dr. Rui Pato)
*Nota: a 1ª edição on line de “Menina dos Olhos Tristes” foi editada no blog
“guitarradecoimbra” em 14 de Setembro de 2005. Pareceu-nos oportuno fazer
uma 2ª edição revista e actualizada, com a respectiva memória em co-autoria
(Anjos de Carvalho/António M. Nunes), contando com o apoio e os
esclarecimentos do Dr. Rui Pato. Trata-se, para todos os efeitos, de uma 2ª
edição.
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MENINO DO BAIRRO NEGRO
- Estilização decente de um refrão indecente recolhido numa parede cheia de
sinais cabalísticos, desses que conservam para a posteridade as mais
expressivas jóias dos géneros líricos nacionais. A negritude de que fala o
poema existe nos estômagos diagnosticados por Josué de Castro no seu livro
"Geopolítica da Fome". Os meninos de ouro que habitavam os céus antes do
Dilúvio descem à Terra e são condenados pelo tribunal de menores a viverem
em habitações palafitas até ao dia do Juízo Final representado por uma bola
de cartão que desce, desce até tocar nas montanhas.
(José Afonso)
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MENINO D'OIRO - Letra e música de José Afonso. O tema
parece filiar-se em longínquas raízes peninsulares. Tratado pelas mais
diversas formas mas conservando a sua origem popular, surge como motivo
inspirador dum conhecido fado de Coimbra.
(José Afonso)
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MINHA MÃE - Letra e música de José Afonso. A uma
mãe não canonizada por nenhuma data oficial nem institucionalizada por
nenhuma nota oficiosa.
(José Afonso)
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NA FONTE ESTÁ LIANOR
- O arcaismo repetitivo da melodia coadunava-se, a meu ver, com o espírito
de uma redondilha do cancioneiro de Garcia de Resende, mas a métrica
depurada da "medida nova" raramente se adaptava à chateza vagamente
afadistada da composição. "Cantiga partindo-se" e a redondilha dentro da
música não seriam uma ofensa à lírica camoniana mas uma pequena e
despretensiosa homenagem prestada, a séculos de distância, ao génio do seu
autor.
(José Afonso)
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NATAL DOS SIMPLES
- Inspirada em parte em "Los Quatro Generales" e outras canções populares
espanholas. Os acompanhamentos apropriados deveriam incluir ruídos
produzidos por guisos, pedras e matracas. Na região de Alpedrinha e nos
ambientes da Beira-Serra, lá para os lados de Folgosinho, os mendigos
acercam-se dos portais dos grandes senhores para cantar as janeiras e encher
os alforges de pão e castanhas.
(José Afonso)
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Ó ALTAS FRAGAS DA SERRA
- Letra e música de José Afonso, glosando a primeira quadra de origem
popular.
(José Afonso)
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Ó CAVADOR DO ALENTEJO
- Feita no Algarve a pensar no Alentejo. A letra foi modificada em África,
depois de um efémero mas profundo contacto com uns amigos da "Sociedade
Musical Fratemidade Operária Grandolense", aos quais muito deve o autor.
(José Afonso)
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O
CAVALEIRO E O ANJO
- Nasceu a bordo do "Angola", num estado de espírito que excluía qualquer
veleidade criadora. O personagem aparece de relance, indeciso entre ficar na
hospedaria e partir a coberto da noite mas em segurança. O mais difícil é
ficar. É no interior da hospedaria, guardada à vista pelos "Botas Cardadas",
que o espectro decide permanecer e readquirir as suas humanas e verdadeiras
dimensões.
(José Afonso)
Quanto à interpretação dos textos de José
Afonso, baseio-me sobretudo na dissertação de E. Engelmayer, "Utopie und
Vergangenheit: das Liedwerk des portugiesischen Sãngers José Afonso".
A canção "O cavaleiro e o anjo" foi publicada no álbum "Cantares do
andarilho", em 1968, durante a ditadura. Descreve a vida de quem era
perseguido pela PIDE (o "eu"). Por causa da censura, era impossível
referir-se directamente aos problemas da época, pelo que José Afonso o fazia
de modo indirecto:
A frase "Ao romper do dia" refere-se à hora preferida da PIDE, para prender
pessoas: cedo da madrugada. Por isso, o som de passos a essa hora era
bastante ameaçador.
Os membros da PIDE são indicados como "anjos", uma espécie de anjos da
morte, o que também explica o uso de "negro". Evoca-se assim a associação
com a morte, reforçada pela imagem da "espada".
Quem andava fugido da PIDE passava, na maior parte das vezes, as noites em
casas diferentes. Por isso, José Afonso fala em "hospedaria".
Outra referência à vida do fugitivo encontra-se com a frase "Dorme ao
relento". Nos textos de José Afonso, "dormir ao relento" forma uma
espécie de "leitmotiv", quando pretende retratar a sua vida ou a de outros.
Às vezes, é dificil ver a quem se dirige o "eu". Parece haver aqui três
interlocutores, o "eu", outro fugido e os homens da PIDE. A terceira estrofe
pode-se considerar como uma autopresentação do "eu" a quem entrou na
hospedaria, talvez ao vento, talvez a outro perseguido ou os homens da PIDE.
No entanto, é mais provável que seja outro perseguido, já que, na quarta
estrofe, o "eu" lhe dá o conselho de fugir da morte (a PIDE) e de combater
com os membros da resistência. Também podemos pensar noutra situação,
imaginando que é outro fugitivo que se dirige ao "eu" anterior. No entanto,
toma-se um pouco mais provável serem os homens da PIDE com a quinta estrofe,
quando o "eu" se parece dirigir ao anjo negro.
Aliás, a tentação do anjo negro também pode ser interpretada de diferentes
maneiras. Pode ser que o perseguido se sinta cansado do seu modo de viver, e
que esteja próximo de entregar-se ao perseguidor. Assim, entraria num pacto
com o anjo negro, renunciando à resistência contra o regime criminoso. No
entanto, se interpretarmos o anjo negro como um verdadeiro anjo da morte,
toma-se possível que o "eu" veja a morte como uma libertação. Seja como for,
ao :fim da estrofe, o "eu" consegue resistir à tentação quando decide que
vai ficar.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um
estudo e tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de
Antuérpia)
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Ó VILA DE OLHÃO - Fiz muitas viagens a Olhão, minha terra
adoptiva. A meio do caminho da Fuzeta, entre Olhão e Marim, a vila vai-se
adelgaçando, a viagem toma-se mais rápida e ruidosa, devido ao vento que
entra pelas janelas. Pode-se berrar sem que ninguém nos ouça. Foi assim que
nasceu esta crónica rimada. Servida pela cadência mecânica do "poucaterra", versa um tema alusivo às vicissitudes por que passa o mexilhão
quando o mar bate na rocha. A culpa não é do mar.
(José Afonso)
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PASTOR DE BENSAFRIM
- Letra e música de José Afonso, sendo a letra vagamente inspirada nas
éclogas de Bernardim - desde crianças que mostramos uma propensão natural
para as rimas em imo Num desses retornos à fase pré-Iógica das origens, o
autor destas linhas travou conhecimento com um pastor que lhe narrou as suas
mágoas. Um pouco a martelo, o assundo da conhecida écloga de Bemardim
apareceu metamorfoseado num drama pastoril cujo nome "Bensafrim" os montes e
as ervinhas repetem até aos mais humildes recantos da serra algarvia.
(José Afonso)
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PERSPECTIVE - Melodia interrompida em Pombal pela
chegada de um DKW descapotável à estação de serviço da "Shell". O resto dos
preparos e dos alinhavos continuou a viagem até Lisboa em dois carros
pesados do mesmo modelo.
(José Afonso)
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POMBAS - Pretendia-se que a melopeia, feita de
reiterações e alongamentos em que a voz mantém as sílabas finais até se
extinguir lentamente, correspondesse a um fundo independente do contexto
literário e vice-versa. O poema, a melodia e o acompanhamento separam-se e
reúnem-se de novo, repelidos por uma espécie de movimento ascencional sem
princípio nem fim. A voz eleva-se e tenta fixar por meio de modulações
adequadas o voo dos pássaros que se perde na distância.
(José Afonso)
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POR AQUELE CAMINHO
- Lourenço Marques 1965. Versos destinados à página literária de "Voz de
Moçambique". A música peca por manifesta ausência de identificação com o
espírito dos ritmos e dos temas africanos.
(José Afonso)
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POR TRÁS DAQUELA JANELA -
Esta canção foi dedicada ao comunista Alftedo Matos quando este se
encontrava preso pela PIDE. Ele foi torturado com o método da "estátua" (ver
JA!), sem poder domúr durante dias seguidos. Muitos detidos morreram na
prisão ou, quando saíram, nunca mais conseguiram reintegrar-se na sociedade.
Destaca-se nesta canção o isolamento do preso, o muro que existe entre o
silêncio cá fora e os gritos lá dentro. Também José Afonso foi preso pela
PIDE e esteve na prisão de Caxias, onde escreveu as canções que figuram no
disco "Venham mais cinco". Porque viveu sempre a realidade do regime
ditatorial (contrariamente aos cantores que se exilaram, como Sérgio Godinho
e José Mário Branco), José Afonso escreveu mais textos sobre a sorte dos
membros da oposição (comunista) Além disso, como ele próprio foi vítima da
perseguição, descreve-a de modo mais pormenorizado. É este o caso em "Por
trás daquela janela". As suas próprias experiências fazem com que ele possa
catar a situação de Alfredo Matos com tanta compreensão e familiaridade.
Acentua-se assim a força quase invencível da convicção que o ajudou a
resistir à perseguição e que deve servir para encorarjar os companheiros: o
sofrimento ("Mais dura a pedra moleira/ E a fé tua companheira"; "E o seu
perfil anuncia/Naquela parede fria") tem sentido, tempos virão em que se
poderá cantar e viver livremente.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um
estudo e tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de
Antuérpia)
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RONDA DOS PAISANOS
- A música ocorreu-me no WC do rápido Faro-Lisboa, depois da estação da
Funcheira. Lembrei-me de algumas, semelhantes na forma e diferentes no seu
conteúdo picaresco: D. Miquelina tinha uma sobrinha, Conheci uma francesa, Ó
moleiro guarda a filha (esta última, minhota), cantadas em coro nos grandes
festins coimbrões. Em Lisboa inteirei-me dos postos do exército, que são
muitos e soantes. Rimados às parelhas dariam uma canção popular, capaz de
ser entendida por soldados e generais.
(José Afonso)
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SANTA MARIA A SEM-PAR
- Este nome um tanto anacrónico é o título de uma pequena toada dedicada a
Zélia e depois adaptada a um texto comercializado para ser proposto a um
concurso. Os elementos figurativos, excluindo o conhecido símbolo da chaminé
algarvia, foram introduzidos na canção a título coercitivo, de acordo com as
normas determinadas pelo júri, que a eliminou na primeira volta.
(José Afonso)
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SENHOR POETA - Complemento noctívago de "Tenho
barcos..." Os dois versos Soltam-se as velas / Vamos largar foram
intercalados na estrofe com o consentimento de Barahona a fim de ajustarem o
conjunto às necessidades da composição musical.
(José Afonso)
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SENHORA DO ALMORTÃO - A 1ª
versão fonográfica desta peça emblemática do “Canto e da Guitarra de Coimbra” na
década de 1920 foi gravada em Lisboa, no mês de Dezembro de 1929, por Edmundo
Alberto Bettencourt, acompanhado em Guitarra Toeira de Coimbra de 17 pontos por
Artur Paredes e Afonso de Sousa e, em violão aço, por Mário Faria da Fonseca:
discos de 78 rpm Columbia, BL 1005 e GL 108 – WP 634. A etiqueta do disco contém
as seguintes indicações: “Canção da Beira-Baixa” e “Arranjo de Arthur Paredes”.
Em boa verdade, estamos perante duas canções tradicionais raianas cujas melodias
foram acopladas, como aliás o próprio título do fonograma original sugere:
SENHORA DO ALMOTÃO, uma, e SENHORA DA PÓVOA, outra, ambas da Beira-Baixa,
reunidas numa só, tipo suite, funcionando a 2ª como refrão.
Quem primeiramente divulgou estes dois temas em Coimbra, a partir de 1915, foi o
barítono, sócio do Orfeon Elias de Aguiar e membro do Grupo de Artur Paredes,
José Roseiro Boavida. Boavida interpretava as duas canções separadamente, por
vezes auto-acompanhando-se no violão de acordas de aço, e mantendo-se dentro das
versões tradicionais. Com a entrada de Bettencourt para o Grupo de Artur
Paredes, na transição de 1922 para 1923, as duas canções foram adaptadas ao
estilo de Coimbra e coladas, passando a ser cantadas por Bettencourt: compasso
ternário (3/4), primeira parte em Sol menor e “refrão” festivo em Ré Maior.
Na “versão Bettencourt”, gravada em 1929, há diferenças de título, de
tonalidade, de letra e de arranjo de acompanhamento, em comparação com a versão
gravada por José Afonso em 1981. Em Bettencourt, o título original e integral é
“Senhora do Almotão e Senhora da Póvoa”. Na 1ª copla não se observam
discrepâncias. Porém, na 2ª, José Afonso modifica substancialmente o 2º verso
(“Minha tão linda arraiana” passa a “Ó minha linda raiana”), vertendo as
conjugações verbais da 2ª pessoa do singular (“vira”, “queiras”) na 2ª pessoa do
plural (“virai”, “queirais”). O mesmo procedimento se observa logo no 1º verso
da 3ª estrofe. José Afonso, na gravação de 1981, interpreta este tema em
compasso ternário (3/4), tom e meio abaixo de Bettencourt, com a 1ª parte em Mi
menor e o refrão em Si Maior. O cantor foi servido por um belíssimo arranjo de
guitarra concebido por Octávio Sérgio, de belo efeito auditivo na introdução, no
intervalo entre a 3º e a 4º estrofes e no remate. Se no registo de 1981 já se
notavam em José Afonso sinais de degenerescência vocal, tais sintomas surgem
bastante agravados pela progressão da doença na gravação ao vivo de “Senhora do
Almortão” durante o concerto no Coliseu de Lisboa, realizado em 29 de Janeiro de
1983. “Senhora do Almortão” é a 3ª das cinco peças integradas no LP “José Afonso
ao vivo no Coliseu”, DIAPASÃO, DIAP 16050/1, ano de 1983, Disco 1, Lado A, faixa
nº 3. Os acompanhamentos são feitos por Octávio Sérgio/Lopes de Almeida (gg) e
António Sérgio/Durval Moreirinhas (vv). Posteriormente a referida antologia
vinil foi remasterizada em compact disc: CD "Zeca Afonso no Coliseu", Strauss,
ST 1021010035, ano de 1993.
A Senhora do Almotão, venerada em Idanha-a-Nova, tem a sua festa 15 dias após a
Páscoa. Em tempos antigos, esta canção não se cantava com refrão mas,
ultimamente, têm-lhe acrescentado algumas formas de refrão. A canção tem
variantes, podendo a melodia ser em tom maior ou em tom menor. Conforme se
disse, no disco de Bettencourt consta Almotão e não Almurtão. Uma outra forma de
grafia popularizada é Almortão. Todas são correctas mas, a primeira parece-nos
preferível.
A Senhora da Póvoa, festejada na antiga aldeia de Vale de Lobo, hoje Vale da
Senhora da Póvoa, Concelho de Penamacor, recai na 2ª feira de Pentecostes. A
canção em epígrafe também tem variantes musicais e literárias.
Existe transcrição musical da versão popular da “Senhora do Almurtão” em Rodney
Gallop, “Cantares do Povo Português”, Lisboa, Instituto de Alta Cultura, 1960,
págs. 94-95; idem, Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça, “Cancioneiro
Popular Português”, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981, versão de Idanha-a-Nova,
em compasso 2/4 e tom de Fá menor (reprodução em Rosa Maria Torres, “As canções
tradicionais portuguesas no ensino da música”, Lisboa, Caminho, 1998, pág. 174;
idem, para a versão de Penamacor, págs. 186-187). Há solfas, com variantes, da
Senhora da Póvoa, em Rodney Gallop, “Cantares do Povo Português”, Lisboa, 1960,
págs. 100-101. Uma versão da Senhora da Póvoa”, de Atalaia do Campo, consta em
Fernando Lopes Graça, “A canção popular portuguesa”, 4ª edição, Lisboa, Caminho
1991, pág. 158 (1ª edição de 1953).
José Afonso conhecia uma das versões melódicas populares locais de “Senhora do
Almortão”, tendo efectuado a respectiva gravação no LP “Cantares de Andarilho”,
Porto, Orfeu RT LP 18029, ano de 1968, Face B, Faixa nº 4, acompanhado à viola
por Rui Pato. Por seu turno, a versão melódica gravada por Bettencourt aparece
com notação musical manuscrita em Carlos Manuel Simões Caiado, “Antologia do
Fado de Coimbra”, Coimbra, 1986, págs. 164-165, verificando-se na referida solfa
omissão de notas musicais. A letra impressa na pág. 164 também não corresponde
inteiramente ao fonograma Bettencourt.
A gravação de Edmundo Bettencourt encontra-se disponível em vinil: LP “Fados de
Coimbra – Edmundo Bettencourt”, Lisboa, EMI 2402451, ano de 1984, Lado 1, faixa
nº 1, e em cassete. Este trabalho de remasterização não identifica os
instrumentistas que são Artur Paredes/Afonso de Sousa (gg) e Mário Faria da
Fonseca (violão), o que é pena, pois o arranjo de Artur Paredes é magnífico e
pioneiro para a época. Obra disponível também em compact disc:
-Heritage, “Fados from Portugal”, HT CD 15, Londres, Interstate Music, 1992;
-“Arquivos do Fado”, Macau, Tradisom, Vol. II, TRAD 005, ano de 1994, faixa nº
1, cópia da edição londrina Heritage;
-Col. “Um Século de Fado”/Ediclube, CD Nº 1, EMI 7243 5 20633 2 1, de 1999;
-CD “O Poeta e o Cantor”, 560 5231 0047 2 5, Valentim de Carvalho, ano de 1999,
Faixa nº 5.
Vários cantores gravaram esta linda canção mas, por vezes, a letra aparece
a(du)lterada, incluindo versões impressas em livro, consequência de
aprendizagens de outiva.
A gravação de José Afonso, correspondente à versão agora transcrita, encontra-se
nos seguintes suportes:
-LP “José Afonso. Fados de Coimbra e outras canções”, Porto, Orfeu, 1981.
-LP “José Afonso. Fados de Coimbra e outras canções”, Riso e Ritmo Discos, Lda.,
RR LP 2188, ano de 1987, Face A, faixa nº 3, indicando na contracapa os nomes de
Octávio Sérgio/Durval Moreirinhas (disco que em 1987-88 se vendia a 1.240$00);
-CD “José Afonso – Fados de Coimbra”, Movieplay, SO 3003;
-CD “Fados e Guitarradas de Coimbra”, Lisboa, MOVIEPPLAY, MOV. 30.332-B, ano de
1996, disco nº 2, faixa nº 1, sendo a recompilação orientada por José Niza;
-CD "Fados de Coimbra e outras canções", Lisboa, Movieplay, JA 8011, ano de
1996, faixa nº 3.
A gravação do concerto dado no Coliseu de Lisboa em 1983 veio editada no LP
“José Afonso ao vivo no Coliseu”, DIAPASÃO, DIAP 16050/1, ano de 1983, Lp 1,
Lado A, faixa nº 3; idem, CD "Zeca Afonso no Coliseu", STRAUSS, ST 1021010035,
ano de 1993; também na cassete "Zeca Afonso ao vivo no Coliseu", STRAUSS, ST
1021010036, ano de 1993.
Outros registos:
-CD “Do Choupal até à Lapa – Grupo de Fados da Associação dos Antigos Estudantes
de Coimbra da Madeira”, EMLI, s/n e s/d, de ca. 1994 (canta Luis Filipe Costa
Neves).
Dos vários aproveitamentos conferidos a este espécime, destaquemos uma rapsódia
de Artur Paredes (década de 1920) e uma outra de Jorge Tuna (década de 1960)
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho e
António M. Nunes
Agradecimentos: D. Maria José Bettencourt, Maestro João Anjo, Dr. Afonso de
Sousa, José Moças (Tradisom)
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SÓ OUVE O BRADO DA TERRA -
O álbum "O coro dos
tribunais" saiu pouco tempo depois do 25 de Abril, mas contém quase só
canções anteriores a essa data. Pode-se considerar um tanto ultrapassado
pelos acontecimentos, pois anuncia-se em "Só ouve o brado da terra" a
iminência da revolução. A ditadura e a opressão da população (agrária)
portuguesa são transmitidas pelas metáfores do "clarim da morte", da "noite
assassina", de "quem domina sem nos vencer". A exploração é-nos transmitida
na terceira estrofe ("Andam os lobos à solta") e na última estrofe. A estes
elementos negativos opõem-se a revolta nascente ("Agora é que pinta o bago/
Agora é que isto vai aquecer"), os que a apoiam e que nunca perderam o
contacto com a terra ("Quem dentro dela! Veio a nascer", o pastor, o "Homem
de costas vergadas") e a solidariedade do cantor com o sofrimento do povo.
José Afonso traduz nesta canção o seu alinhamento com a população agrária.
Isto nada tem a ver com a linguagem idealizante da propaganda oficial, com a
qual se pretendia transmitir uma imagem dum mundo agrário harmonioso. Sendo
da geração anterior à de Sérgio Godinho e José Mário Branco, ainda podia
optar pela cultura rural (em vez da urbana) como portadora da sua
intervenção e de um conteúdo revolucionário. O cantor escollieu ir para
"uma canção que seguisse na esteira da canção tradicional rural",
inspirando-se e desenvolvendo temas e elementos da cultura rural. Como ele
próprio assinalou: "Isso é, afinal, a face de um povo,
e não há que ser rejeitada." José Afonso
teve a oportunidade de conhecer a vida tradicional do campo, viajando com o
coro do Orfeon enquanto estudante, como professor em várias localidades e, o
que é muito importante, cantando em todo o país. Este conhecimento traduz-se
p.ex. em "A mulller da erva".
A industrialização portuguesa fez-se tardiamente, e é só na segunda metade
deste século que as suas consequências se fizeram sentir, sobretudo a partir
dos anos 60. Já em 1981, José Afonso reconhece o progressivo e
irreversível desaparecimento do mundo português que ele evoca em tantas
canções: "Custa-me ver no meu país este massacre contracultural de que
estamos a ser vítimas (...) Tenho uma certa nostalgia de uma certa
imagem de Portugal que me foi dada por Raul Brandão, Camilo Castelo Branco,
pelo próprio Eça de Queiroz (...), pela poesia popular portuguesa,
(...), pelas adegas que hoje estão a ser substituídas pelos
snack-bares, pelos cinemas de bairro que estão a ser substituídos pelos
estúdios (...). Com as suas canções, ele queria conservar a cultura
sem ser conservador.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um
estudo e tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de
Antuérpia)
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TENHO BARCOS, TENHO REMOS
- O barco aludido pertencia a uma pequena sociedade constituída por Manuel
Pité, António Barahona, António Bronze e José Afonso. Situações vividas
pelos quatro, em comunidade perfeita com o mar algarvio, agruparam-se numa
espécie de ciclo fraterno representativo de uma das fases mais felizes da
vida do autor.
(José Afonso)
vTRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM
- Qualquer semelhança entre a epígrafe sintetisadora da Amizade e "Uma Casa
Portuguesa Com Certeza" é com certeza pura coincidência. O autor nunca se
colocou, por falta de méritos próprios, no plano polemístico da
hospitalidade lusitana, o que não o impede de abrir a porta a quem quer que
venha por bem, excluídos, até prova em contrário, os amigos das bibliotecas
alheias.
(José Afonso)
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TECTO DO MENDIGO
- Letra concebida em estado de penúria física e mental. O franciscanismo
aparece no texto musicado como uma doutrina de compensação sem qualquer
relação directa com a camisa lavada do autor.
(José Afonso)
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VAMPIROS - Numa viagem que fiz a Coimbra
apercebi-me da inutilidade de se cantar o cor-de-rosa e o bonitinho, muito
em voga nas nossas composições radiofónicas e no nosso musichaIl de
exportação. Se lhe déssemos uma certa dignidade e lhe atribuíssemos, pela
urgência dos temas tratados, um mínimo de valor educativo, conseguiríamos
talvez fabricar um novo tipo de canção cuja actualidade poderia
repercutir-se no espírito narcotizado do público, molestando-lhe a
consciência adormecida em vez de o distrair. Foi essa a intenção que
orientou a génese de "Vampiros", entidades destinadas ao desempenho duma
função essencialmente laxante ao contrário do que poderá supor o ouvinte
menos atento. A fauna hipernutrida de alguns parasitas do sangue alheio
serviu de bode espiatório. Descarreguei a bilis e fiz uma canção para servir
de pasto às aranhas e às moscas. Casualmente acabou-se-me o dinheiro e
fiquei em Pombal com um amigo chamado Pité. A noite apanhou-nos
desprevenidos e enregelados num pinhal que me lembrou o do rei e outros
ambientes brr herdados do Velho Testamento.
(José Afonso)
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TROVAS ANTIGAS - Dedicadas ao doutor Vítor Pereira.
Correspondem à mesma época em que surgem "Ronda dos Paisanos" e "Altos
Castelos". Do contacto superficial com o folclore romeno, muito semelhante
na forma a certas canções raianas, provêm as origens subconscientes destas
trovas. A escolha um pouco arbitrária das quadras e os solos introduzidos
antes de cada quadra pela viola de Rui Pato deram ao conjunto uma feição
mais ligeira, mas talvez mais genuína.
(José Afonso)
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VEJAM BEM - Música do filme "O Anúncio", a
apresentar no Festival de Cinema Amador pelo Cineclube da Beira. O filme foi
projectado em sessão privada, ainda incompleto e sem diálogos. Um homem procura
emprego num escritório, dirigese ao gerente de uma firma conceituada, a
capatazes e mestresde-obra. Em vão! Privado de fundos, vê-se obrigado a dormir
ao relento e a roubar para comer. Na retrete de um restaurante, único lugar onde
não é visto, devora apressadamente dois ovos que metera ao bolso,
aproveitando-se da algazarra geral. É à luz deste contexto dramático que poderão
entender-se a linha melódica e o texto rimado apensos às sequências julgadas
mais expressivas.
(José Afonso)
(...)o motivo de "dormir ao relento" é
usado frequentemente nos textos de José Afonso, o que este texto vem
ilustrar. Mas fazem-se outras referências à vida de quem se opõe ao regime e
à PIDE:
"Gaivotas em terra" é uma expressão utilizada
para anunciar uma tempestade e, em sentido mais figurado, para anunciar uma
catástrofe ou um periodo conturbado. José Afonso quer advertir o ouvinte de que
o pensamento em si é somente o primeiro passo para a mudança. Se algumas pessoas
dizem que a revolução não se faz com canções, o mesmo se pode dizer do
pensamento, embora este seja a base em que ela assenta.
A "estátua" já é uma referência mais
directa e concreta à PIDE. Trata-se de uma técnica de tortura que se aplicava
para extrair confissões. O detido tinha de ficar de pé por horas seguidas, sem
que se pudesse apoiar. Se adormecia, era logo acordado com um sons agudos e
súbitos. Outra referência a esta técnica faz-se no texto "Por trás daquela
janela".
Além de "dormir ao relento", a vida isolada
do oposicionista exprime-se através da imagem do homem que é torturado à vista
de outras pessoas, sem que ninguém o venha ajudar. A sua actividade clandestina
define-se como a luta por uma melhor distribuição dos bens ("caminhos do pão").
Por muito fraco que seja o sistema autoritário ("a fraca figura"), tem de lutar
sozinho, pois não encontra com quem lutar.
(in "A canção de intervenção portuguesa - Contribuição para um estudo e
tradução de textos" de Oona Soenario, 1994-1995, Universidade de Antuérpia)
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